lá, longe
de tudo… afastada do mundo virtual… e imersa no mundo de sol e águas salgadas,
observei tudo à minha volta!... o calor me transportava à Amazônia e ao Cerrado
Brasileiro… entre a braveza do mar aberto e a calmaria da lagoa, ousei
banhar-me nas águas frias dessa outra margem… confesso que foi um ato de fé e
de amor… ele fitou-me nos olhos, segurou nas minhas mãos e disse-me: vem!
confia!... e apesar da minha crônica desconfiança das águas desconhecidas tomei
banho de sal grosso (ou fino) concentrado e aliviei as angústias dilacerantes
do meu coração nos últimos dias… aquela lagoa escura, remetia-me a «Lenda do
Abaeté» do Caymmi e eu fiquei cantarolando dentro de mim: “no Abaeté tem uma
lagoa escura, arrodeada de areia branca…” caminhando sem destino nas ruas da
Vila sem gente, deslumbrava-me com as formas e cores das flores ao cair da
tarde de veraneio… sabe, acho que o que sinto pelas flores não é amor
incondicional… mas sim… uma estranha, compulsiva e irrestrita obsessão… entre
distrações marítimas alentejanas fazia anotações porque não sei abandonar a
escrita… essa minha terna meditação cotidiana, companheira de todas às horas,
nas alegrias e nas tristezas… viajo nas trilhas das vida acompanhada de caderno,
caneta e livros… os livros são os meus companheiros mais fiéis… guardam em
sigilo o que escrevinho neles… dessa vez, selecionei três mulheres para
acompanhar-me por outras águas: Alexandra Lucas Coelho, Isabel Allende e
Marguerite Duras… sabe, nos últimos tempos ando numa pegada de leituras
femininas… mas o Rainer Maria Rilke tem morada certa na minha estante
deslocada… sabe, eu amo as contradições humanas que trago em mim… do tipo… peço
ao meu vizinho para abrir a garrafa de vinho, porque sempre quebro a rolha e me
corto com o abridor… e me apaixonei perdidamente pelo meu amor da margem sul,
quando ele expulsou da minha ex-casa o ratinho atentado que assustava-me na
calada da noite e fez-me abandonar a casa por duas semanas… mas incomoda-me a
hegemonia falocêntrica… cansei de ouvir… ler… e transcrever literalmente as
vozes masculinas de acordo a ABNT, APA e o machismo nosso de cada dia… sabe,
ultimamente a cada linha que escrevo dentro e fora da academia, pergunto-me:
«cadê as vozes das mulheres que sempre me estenderam as mãos e me deram colo?»…
«será que estou ofertando escuta as mulheres da minha vida ao preencher páginas
vazias?»… ando cansada dessa minha tentativa insana de ser ouvida no mundo dos
machos silenciadores sejam de quais margens do atlântico for… por isso, nessa
viagem das águas criei essa tríade femeamente feminina: Portugal-Chile-França…
já tinha iniciado a leitura de «Paula» da Isabel Allende, ela me arrebata com
toda sua intensidade sul-americana… às vezes acho que para nós não há meio
termo, tudo é muito excessivo… mas detalhe: eu me vejo assim - intensamente
excessiva!... por outro lado… há tempos ando com uma vontade voraz de ler a
Marguerite Duras e por acaso no sebo da cidade de santo homem encontrei «Olhos
azuis, cabelo preto» de sua autoria… mas há dias ando na bolsa com o livro de
capa amarelona da Alexandra Lucas Coelho e em clima de «partido alto» do Chico,
mas que só ouço na voz da Cassia Eller, entrei num: “ diz que deu, diz que dá…”
e me entreguei ao deus-dará… sabe, acho que deus-dará é a minha preparação de
regresso ao meu solo… longe de casa há três anos, precisava fazer uma viagem de
retorno ao caos… sabe, tenho uma relação complexa de amódio com o Brasil… e a
cada página lida de deus-dará só lembrava-me: “na barriga da miséria nasci brasileira”…
sou tudo isso, mas não sou apenas isso… como boa baiana-brasileira que sou, me
vi nas encruzilhadas pedindo a Exu para me guiar nas esquinas e ruas do meu
país… deus-dará tá ali dizendo-me porque eu amo e rejeito Lisboa ao mesmo
tempo… porque me apaixonei por um português e falei a mim mesma: -isso só pode
ser castigo histórico!… deus-dará grita silenciosamente nos meus ouvidos que só
nessa cidade de colinas… altos… baixos e chiados… eu poderia lançar mão das
outras escritas que trago nas páginas diárias de mim ao lado de uma flor
carioca do cerrado que habita a Damaia… deus-dará me mostra de onde vem esse
meu lado bruta-flor em terras lisboeta que ao ficar retada… “dou pernada a três
por quatro e nem me despenteio…” e com a minha “mão de veludo para fazer
carícia…” bato na mesa, dou as costas e falo: “me larga, não enche”, vá se
lascar, porque não sou otária me(i)rmão e canta pra subir… e ao mesmo tempo sei
dizer fofamente: aquele abraço pra quem fica e abraço de braços abertos, corpo
colado e toco nos corpos intocáveis dos europeus… deus-dará faz-me entender
esse meu jeitinho brasileiro de não se conformar com um «não pode!»... até o
meu amor da margem sul já se rendeu e disse-me que o que mais gosta em mim, é
essa minha teimosia inerente… a não desistência no existir e insistir… mas,
óbvio que ele ainda se assusta com a minha cara de pau e esse meu palavreado
cheio de gíria que vive xingando e não é porque estou com raiva, é porque gosto
de xingar mesmo, caralho! e faço um cacete armado sem problema nenhum… enfim,
só posso dizer que nesse meu quarto dia no terceiro dia de deus-dará, só sei
sintetizá-lo numa palavra: SauDaDe!
Violeta Serena
Lisboa,
27 de julho de 2017
[1] No
título desse conto tentei juntar os títulos dos três livros que levei na minha
viagem de férias para a Vila de Brescos, na cidade de Santo André no Alentejo,
no período de 23 a 26 de julho de 2017. Os livros foram: deus-dará (Alexandra
Lucas Coelho); Olhos azuis, cabelo preto (Marguerite Duras) e Paula (Isabel
Allende).
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