eu não sou a preta de pessoas brancas
eu não gosto de pessoas brancas que colam em mim só porque eu sou preta
eu não faço apenas coisas que as pessoas brancas acreditam que são práticas de pretas
eu não aceito quando pessoas brancas querem ter a mesma experiência que eu sem nunca terem passado por privações e escassez material
eu detesto quando pessoas brancas me chamam de guerreira apenas porque tive de enfrentar e sobreviver às situações racistas e machistas que deixaram-me sequelada emocionalmente
eu não suporto pessoas brancas que falam com tanto ódio de outras pessoas brancas, como se elas não fossem brancas também e não gozassem do privilégio de serem todas pessoas brancas
eu não acredito em pessoas brancas que desprezam os seus países de origem acreditando que o racismo é uma coisa específica territorial e não uma prática nociva demasiadamente humana
eu odeio quando pessoas brancas não entendem e não aceitam que eu amo cinema de paixão por conta dos filmes do Ingmar Bergman, sim, ele mesmo, o cineasta branco sueco
eu considero vexatório quando pessoas brancas ao falar de literatura comigo só citem autoras negras brasileiras e africanas, inclusive, muitas que eu nunca li
eu me rasgo por dentro quando pessoas brancas acreditam que é um elogio dizer-me que a minha poesia é pura emoção, como se na minha escrita não tivesse todo um exercício racional
eu tenho asco de pessoas brancas que se surpreendem quando pessoas negras não têm história de pobreza para contar porque simplesmente não passaram por vulnerabilidade econômica
eu fico possessa quando pessoas brancas questionam o fato de eu ter um namorado branco como se a minha luta antirracista e antisexista fosse menor por esse aspecto da minha vida afetiva-sexual
eu me revolto com as pessoas brancas que ficam impactadas por eu ter uma fala dócil e ser fofa quando me convém por terem incutidas no seu imaginário que mulheres negras só podem falar com ódio e com indelicadeza
eu desprezo com todas as minhas forças as pessoas brancas que não entendem a pluralidade existente no meu ser porque eu sou uma mulher, uma pessoa, uma ser humana com contradições e subjetividades das quais não abro mão…
Violeta Serena
Lisboa, 18 de janeiro de 2018
Foto: Jorge Valadas.
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