Etnografias Uterinas
de Mim por Raquel Lima
Um
livro íntimo que se conta de dentro para fora, mas que também faz um convite ao
amor de fora para dentro. O livro é feito desses dois movimentos, ou de um
movimento recíproco que sustenta a intimidade da amiga Luz Gomes.
Etnografias
(uterinas) de mim também é um grito de apropriação do corpo que se auto-mapeia,
como que a não se submeter a ser objeto de estudo etnográfico.
O
diálogo é feito de forma directa com o leitor, que pode muitas vezes
corresponder à pessoa amada, como se lê, por exemplo, nos poemas “Fizemos
Amor”, “Quantos serás?”, “Oferto-te Flores”, “Digo-te” e “Desnuda-me!”.
O
prefácio da Girlene Chagas Bulhões abre a cortina e resume uma caminhada que eu
não acompanhei e só conheci nessa fase sólida renascida e, infeliz ou
felizmente, quase no regresso ao Brasil. Sabendo claro que as presenças e as
vivências ficam marcadas na geografia da cidade de Lisboa, e a cidade fica
marcada nela, e o livro celebra essa continuidade da “cidade poética
despoetizada”, como se sente do “Prefácio Eu Por Mim Mesma”.
É
um diário pessoal íntimo, feito de apontamentos, feito de desencontros, por
vezes dolorosos e sempre descritivos que começa com três prefácios.
Um
livro sobre aprender a amar no caos do mundo-vida.
Amar
/ Amor como espaço que acolhe e protege (“Sinto”, “A Janela do Desejo”) e como
aconchego / gruta de quem vê a cidade da janela entreaberta.
Luz
vive e escreve intensamente (vive como escreve e escreve como vive), o que faz
dela uma poeta nua na sua plena honestidade sem filtros.
O
livro fala-nos da dor que abarca tudo (“Dores da Dor”), e expõe o que há de
mais doloroso e destrutivo no caos do mundo-vida para encontrar o que é
indestrutível (“Quantos serás?”) e realizar um acto de coragem do viver sem
medo (“Liguei Sim”).
Nesse
processo de exposição há violência e contradição, há hesitação e há loucura. Há
muitas antíteses e oposições (“Nha Querido”), há repetições e insistência. Há a
necessidade de romper com o que é moralmente ou logicamente estabelecido
(“Indiferença em Ti”).
Nessa
luta de encontrar a força na fragilidade também há a clara assumpção dos
disfarces a que essa luta obriga, e “Disfarces em Cotidiano” é isso mesmo. A
capacidade de dizer o que todxs nós fazemos e passamos para sobreviver num
mundo nem sempre apaixonante. O retirar as máscaras assumindo que as usamos
todos os dias, com em sem carnaval, e isso é poesia, pura poesia!
A
euforia lúdica e o divertimento estão presentes em “A rima que eu quero na
minha”, “Pés em Verbos”, “Oferto-te Flores”, onde a vontade de ser a eterna
criança se torna leve.
A
auto-determinação em “Sem Rimas” está expressa em versos como “não há
intermediação entre eu e senhoras de mim” ou “vou seguindo sem rimar amor &
dor”. Assim como em “Namoro” com a afirmação “eu sei cuidar de mim”.
A
sua formação académica em Museologia está presente em “Corpo em Pedra e Cal”,
“emparedados no tempo descontínuo da cidade” transporta esse dom de saber
observar a cidade sem tempo, de perceber que somos já memórias, que estamos de
passagem, e que podemos viver segundo um epicurismo saudável (“Desmedido
Tempo”).
Estamos
de passagem enquanto ‘corpo colectivo’, “eu, tu, nós, vós”, não interessa a
pessoa/pessoas. Fomos um em dois “queria a tua poesia filosófica no museu das
minhas emoções instáveis” (“Queria-Querendo”).
O
sexo épico é uma constante que atravessa o livro “você dentro de mim em
movimentos transatlânticos”, é tudo de bom! E funciona também enquanto espaço
de emancipação que serve para questionar todo um sistema repressivo e
opressivo, patriarcal, colonial e capitalista (“Entre a Puta e a Santa”,
“Borboleta Transatlântica”, “Digo-te”, “Flores em Danos”, “Perdidos em não
sermos”, “Falar sem dizer”). O ser humano aparece incompleto e condicionado
pela censura, pela auto-castração, e pela dificuldade de expressar ou oralizar
sentimentos.
Sexo
também como ordem das coisas em “Possua-me!” e “Desnuda-me!”.
Raquel Lima
Portugal, 17 de agosto de 2018
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